terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Alma

Vamos combinar que, muitas vezes, não há segredo algum, inimigo algum, interrogação alguma, nenhuma entidade obsessora, além da nossa autossabotagem.

A gente sabe que esticar a corda costuma encolher o coração, mas a gente estica…
A gente sabe que nos trechos de inverno é necessário se agasalhar, mas a gente se expõe à friagem…
A gente sabe que não pode mudar ninguém, que só podemos promover mudanças na nossa própria vida, mas a gente age como se esquecesse completamente dessa percepção tão sincera…
A gente lembra os lugares de dor mais aguda e como foi difícil sair deles mas, diante de circunstâncias de cheiro familiar, a gente teima em não aceitar o óbvio, em não se render ao fluxo, em não respeitar o próprio cansaço…

Eu pensava em todas essas armadilhas enquanto caminhava na Lagoa, um dia de céu de cara amarrada, um tiquinho de sol muito lá longe, tudo bem parecido comigo naquela manhã. Eu me perguntei por que quando mais precisamos de nós mesmos, geralmente mais nos faltamos…
Que estranha escolha é essa que faz a gente alimentar os abismos quando mais precisa valorizar as próprias asas.
Como conseguimos gostar tanto dos outros e tão pouco de nós?
Eu me perguntei quando, depois de tanto tempo na escola, eu realmente conseguirei aprender, na prática, que o amor começa em casa.
Por que, tantas vezes, quando estou mais perto de mim, mais eu me afasto?
Eu me perguntei se viver precisa, de fato, ser tão trabalhoso assim ou se é a gente que complica, e muito.
Como conseguimos ser tão vulneráveis, ao mesmo tempo que tão fortes? 

Eu não tenho muitas respostas e as que tenho são impermanentes, como os invernos, os dias de céu de cara amarrada, os lugares de dor, os abismos todos, o bom uso das asas, os fios desencapados, as medidas e as desmedidas.
Tudo passa, o que queremos e o que não queremos que passe, a tristeza e o alívio coabitam no espaço desta certeza.
Eu não tenho muitas respostas. O que eu tenho é fé. A lembrança de que as perguntas mudam. Um modo de acreditar que os tiquinhos de sol possam sorrir o suficiente para desarmar a sisudez nublada de alguns céus. E uma vontade bonita, toda minha, de crescer.

Ana Jácomo

Gostoso è amar

Gostoso é olhar para o caminho percorrido e perceber o quanto se avançou com o próprio passo, o próprio ritmo, o próprio jeito de caminhar.

Gostoso é tocar com bondade áreas machucadas do coração da gente e curar um pouquinho mais cada uma ao espalhar o amor por lá.

Gostoso é ficar cada vez mais parecido com a própria essência à medida que o tempo passa, os autoenganos se desmancham e a autenticidade floresce.

Gostoso é fazer também da própria existência um modo de contribuir um pouquinho para o mundo respirar mais macio.

Gostoso é saborear a experiência humana com toda a poesia possível.

Gostoso é levar a vida pra passear com olhos de borboleta, sempre dispostos a se encantar. 

Gostoso é amar.

céu e inferno

O menino e o avô 

Intrigado com algumas coisas que ouviu, o menino perguntou para o avô enquanto caminhavam:

– Vô, no inferno tem passarinho cantando?
– Inúmeros. A perder de ouvido.
– Tem flor?
– Milhares e milhares delas, as mais lindas que podemos imaginar e outras tantas que a gente nem consegue.
– Tem mar?
– Muitos. Aliás, praias, conchinhas, ondas e surfistas também.
– Tem abraço?
– Dos melhores.
– E o céu fica todo azulzinho quando faz sol?
– Fica. Céu assim é tão bonito que chega até a comover, né?
– As pessoas amam?
– Amam. Gente é feita pra amar, embora geralmente erre um monte de exercícios enquanto está aprendendo.
– Tem pipa?
– À beça.
– Tem chocolate?
– É claro! Pode existir algum lugar onde não haja chocolate?

O menino silenciou por alguns segundos, a expressão dizendo um desconcerto dos grandes, muito maior do que aquele que mostrou no tempo da primeira pergunta.

– Ué, vô, eu não entendo… Ouvi dizer que o inferno é tão ruim!
– E é.
– Mas se tem tudo isso…
– Tem, sim, amado, as mesmas coisas do céu que você imagina estão também no inferno. Todas elas.
– Então, é tudo igual?
– Não. A diferença é que no inferno as coisas todas do céu continuam presentes, mas, por temporária impossibilidade, a gente não consegue percebê-las.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Tempo que foge

Tempo que foge!
Ricardo Gondim

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. 
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. 
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. 
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. 
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos. 
Não gosto de assembléias ordinárias em que as organizações procuram se proteger e perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos. 
Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, onde “tiramos fatos à limpo”. 
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral.
Já não tenho tempo para debater vírgulas, detalhes gramaticais sutis, ou sobre as diferentes traduções da Bíblia. 
Não quero ficar explicando porque gosto da Nova Versão Internacional das Escrituras, só porque há um grupo que a considera herética. 
Minha resposta será curta e delicada: – Gosto, e ponto final! Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”. 
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.
Já não tenho tempo para ficar dando explicação aos medianos se estou ou não perdendo a fé, porque admiro a poesia do Chico Buarque e do Vinicius de Moraes; a voz da Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, Thomas Mann, Ernest Hemingway e José Lins do Rego.
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”; não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar humildemente com Deus. Caminhar perto dessas pessoas nunca será perda de tempo.

Soli Deo Gloria.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

Teimosia

Sou teimosa 

Sou uma mulher teimosa
Já teimei com a vida quando ela quis me abandonar,
Teimei com o coração quando ele não quis mais amar,
Teimei com a saudade quando ela quis me apertar,
Teimei e enfrentei o homem que tentou me aprisionar,
Sou uma mulher teimosa
De gênio forte
Estou pronta pra guerra
Já lutei até contra a morte,
E desconheço quem irá me parar,
Sou mulher 
Mas não tenho medo do que eu tiver que enfrentar...

Denize Azevedo🌹

O que vale realmente a pena

Somos frágeis.  Poeira à espera do sopro do vento.  Não temos tempo a perder.  Cada dia que a gente desperdiça é um sol que foi embora sem r...