sábado, 27 de março de 2021

Se lembre de lembrar



Freud perdeu sua filha, Sophie, aos 26 anos e grávida de seu terceiro filho, na epidemia de gripe espanhola. 

No mesmo ano, seu texto "Além do princípio de prazer" (1920), foi publicado. Embora tenha sido escrito antes dessa tragédia (ainda que tenha sido editado depois), foi a partir desse ano que a teoria psicanalítica se marcou em um "antes e um depois": a partir do conceito de pulsão de morte, publicado aí. 

Nesse texto, Freud indicou que há um lugar em nós que nos seduz de modo especial: a repetição de um sofrimento. Na ânsia de nos livrarmos de experiências traumáticas, a gente acaba por se fixar nelas. 

No filme "Relatos do mundo" (Netflix, 2020) temos um homem que, em um encontro contingente com uma menina, se dispõe a levá-la para casa. Sem perceber, torna-se ele mesmo a casa daquela que não tem casa, assim como transmite a ela a possibilidade de "fazer casa" através das histórias. 

Na cena que mais marcou, ele, do alto de sua neurose, transmite sua boa intenção: "Siga essa linha sem olhar para trás". 

A menina, com sua sabedoria indígena e infantil, nos ensina "Para seguir em frente você deve  primeiro se lembrar".

Que a gente lembre das dificuldades e horrores que temos vivido nesses tempos de pandemia. Que possamos escrever e transmitir a história que vivemos!

Ana Suy

segunda-feira, 15 de março de 2021

Discutir

Discutir: 
discutir é lutar pelos seus sentimentos, lutar pelo que quer, lutar pelo que te parece melhor. Em nome do amor. Só em nome do amor. Nunca em seu nome pessoal. Nunca por egoísmo bobo. Nunca por orgulho. Nunca por casmurrice. Nunca porque você não quer perder. Nunca porque quer ficar por cima. Nunca porque quer ficar com crédito. Nunca porque quer que fiquem te devendo uma. Nunca porque quer ter razão. Nunca porque tem mania de saber tudo. Nunca. E sempre. Sempre para amar e ser amado. Discuta com quem você ama sempre que necessário — mas sempre com cimento e cola e tijolos na mão: sempre para construir. Amar é construir. O amor é levantado sobre a capacidade de discutir sem destruir. Às vezes é difícil, terrivelmente difícil. Mas um amor que acaba sem discussão não é um amor falhado; simplesmente não é um amor.

#PROMETOPERDER

quarta-feira, 3 de março de 2021

Aprendizado

Talvez a gente aprenda, afinal, a demorar a vida mais vezes no que faz coração ser sorriso. A abraçar mais lentamente toda vez que é possível. A encher de beijinhos quem nos provoca ternura. A sair mais frequentemente para passear onde tem flor.

Talvez a gente aprenda, afinal, que precisa de bem menos do que imaginava. Que as verdadeiras urgências são vidas. Que a prioridade é a saúde. Que há variados jeitos de se mostrar presente. Que a gente tem que se cuidar pra cuidar. Que aquela tal pressa era pra quê mesmo? Que há uma linguagem que só os olhos conhecem.

Talvez a gente aprenda, afinal, a se interessar com mais bondade pelo bem-estar dos outros seres. Que estamos todos juntos mesmo na humanidade. Que há vários modos de ajudar mesmo sendo também vulnerável. Que o nosso dom é serviço. Que é possível viver fora do automatismo.

Talvez a gente aprenda, ao final, a ser do nosso jeito de novo.

COM OLHOS ENCANTADOS



Que nada me tire o olhar que vê miudeza. Repara na folha caindo. Nota desenho de nuvem. Sorri pra céu azulzinho. Flagra borboleta abraçando flor. 

Que nada me tire os olhos demorados em olhos amados. Isso que me faz perceber mudança de Lua. Procurar estrelas na noite. Ter vontade de molhar a vida no mar. Sentir prazer com os pés descalçados na areia. Experimentar gratidão por tanto. Por tudo.  

Que nada me tire a lembrança de que joaninha existe. O ouvido bom pra encontrar passarinho. A mão que sente textura de árvore. A reverência pelo canto do vento. A espera pelo pôr do sol. O cheiro de terra molhada que anuncia chuva. 

Que nada me tire a alegria pela canção bonita. O encanto pela delicadeza. A tristeza pelo que machuca. O interesse por gente. O coração tocado pela amizade do animal. Os olhos marejados pela história de amor. 

Que nada me tire a sensibilidade. A admiração. A surpresa. A capacidade de sentimento. Os olhos macios. Eu não suportaria esta passagem pelo mundo com apatia.

Ana Jácomo

O que vale realmente a pena

Somos frágeis.  Poeira à espera do sopro do vento.  Não temos tempo a perder.  Cada dia que a gente desperdiça é um sol que foi embora sem r...